Quem nunca se viu triste, cabisbaixo, desanimado, sem vontade de ir trabalhar? Pelo menos em algum momento de nossas vidas, a chance de isso ter acontecido (ou acontecer) existe, é real.

A publicitária Beatriz Braga, de 38 anos, trabalha há 15 anos com criação e planejamento de eventos corporativos. “Entrei em uma crise comigo mesma em 2010. Sabe quando o modo de trabalho entra no piloto automático? Não ter vida além do trabalho? Prazos cada vez mais apertados, sem tempo de poder pesquisar, então percebi que o trabalho braçal estava ficando maior que o intelectual”. Beatriz começou a questionar o modo de trabalho e até se era isso mesmo que ela queria continuar a fazer dali pra frente. “Percebi que gostava mais de outra área”.

Depois dessa autoavaliação, Beatriz resolveu agir. A palavra é esta: atitude. Reclamar não ajuda em nada. Que tipos de ajuda Beatriz buscou? “Além de terapia, busquei coaching, grupos de orientação de carreira e workshops para pensar em outras formas de me relacionar com o trabalho. Conheci muita gente na mesma situação que eu. Isso me deu um certo alívio e foi bacana trocar experiências e enxergar as coisas de outra maneira”, conta a publicitária, que ainda não terminou esse processo todo.

Conversamos com Sergio Wajman, psicólogo, psicoterapeuta e professor do curso de Psicologia da PUCSP, para tirar algumas dúvidas a respeito da infelicidade no trabalho e como lidar com ela:

Wickbold: Quais os primeiros sintomas que aparecem quando estamos infelizes no trabalho? 

Sergio Wajman: De modo geral, não muito diferentes de quando estamos infelizes em qualquer outra situação da vida: desânimo, falta de vontade, procrastinação, tendemos a ficar quietos, não procurar as pessoas e isso acaba comprometendo nosso desempenho, tanto pessoal quanto profissional: o trabalho passa a ser vivido como extremamente penoso, podemos faltar mais do que o costumeiro, podemos nos dispersar no serviço e isso nos faz incorrer em incorreções. Também é possível que fiquemos mal-humorados ou mesmo adoeçamos.

W: A autoavaliação é importante? De que maneiras as pessoas podem realizá-la?

SW: Sim, é importante que possamos ter clareza com relação ao que estamos vivendo (infelicidade no trabalho): tem a ver com a minha vida como um todo? Ou refere-se mais ao meu descontentamento profissional naquele momento de vida em particular? O que foi acontecendo na relação entre mim e a empresa desde que comecei a trabalhar lá? Estou me sentindo desvalorizado? Não me sinto reconhecido pelos colegas e chefias? Esperava algo que não se concretizou? Haverá possibilidade de se realizar? Refletir sobre estas (e outras) questões é de suma importância no sentido de eu poder ter mais clareza a respeito da dimensão do meu sofrimento no trabalho. Fundamental, também, é poder ter espaço, dentro e fora da empresa, para poder receber ajuda nesse sentido: há um setor de psicologia que posso procurar para conversar mais sobre tudo isso? Quem sabe uma psicoterapia me ajude a pensar nessas coisas que tanto têm me incomodado? O importante é não “fugir da raia” buscando “soluções mágicas”, como livros de autoajuda, chás miraculosos, fanatismos religiosos, fitnesses “salvadores” etc.

W: Como lidar com problemas interpessoais? Há critérios conforme nossa relação com essas pessoas, por exemplo, se é meu chefe ou colega de trabalho?

SW: Isso vai depender da maneira como o ambiente de trabalho é estruturado na empresa: por exemplo, se as relações tendem a ser rigidamente hierarquizadas, os problemas interpessoais com meu chefe podem tender a se tornar dramáticos para mim pois a política interna tenderá para o “quem está acima está sempre com a razão”. A consequência tende a ser a formalização cada vez maior da relação entre eu e meu chefe e, consequentemente, uma chance cada vez menor de que os problemas possam ser conversados entre nós. A ideia, portanto, é que ambientes de trabalho mais “horizontalizados”- ou seja, onde a hierarquia não esteja constituída como castas rígidas -, as relações e seus problemas possam ser administrados com menos persecutoriedade.

W: É importante entender se o problema não é a empresa, e sim o cargo, a função ocupada naquele momento?

SW: É importante, assim como entender se o que me torna infeliz no trabalho tem chance de ser equacionado naquele cargo ou naquela empresa. Muitas vezes há situações que se apresentam para nós de forma final e sem muitas chances de mudança. Nesses casos, talvez o melhor seja procurar outras possibilidades em outros lugares, desde que exista esta oportunidade. Caso não haja naquele momento, é importante eu saber administrar a minha frustração para que não me prejudique (e aos outros eventualmente).  

W: A rede de contatos, o famoso networking, é, afinal de contas, tão importante assim?

SW: Se vamos nos isolando profissionalmente, as possibilidades de mudança profissional (novo emprego, novos cursos, por exemplo) vão se tornando cada vez mais remotas e, com isso, ficamos num círculo vicioso: quanto mais infeliz, mais sozinho profissionalmente; quanto mais sozinho profissionalmente, mais infeliz. Além disso, é importante ter com quem falar sobre o trabalho, conversar com outras pessoas que podem, muitas vezes, dar “toques” e apontar para direções e possibilidades que não estou conseguindo enxergar e elas sim, por não estarem mergulhadas nos meus problemas.

W: Decidi que quero mudar de área, fazer outra graduação depois de 15, 20 anos trabalhando no mesmo setor. O que devo considerar?

SW: Devo considerar que tal escolha pode representar, muitas vezes, um impulso muito importante no sentido de eu me mover para fora dessa espécie de “pântano” de frustração e infelicidade profissional em que posso estar vivendo às vezes há muito tempo. Novos ares, novas descobertas, novas aspirações.

W: Sempre se fala sobre encarar os desafios de uma maneira positiva. Como fazer isso na prática?

SW: Pensando nos desafios como possibilidade de crescimento e, muitas vezes, de superação das dificuldades em que estou vivendo agora. Claro que os desafios sempre trazem junto consigo medos e angústias, principalmente quanto às dúvidas que eu possa ter em relação à minha capacidade de enfrentá-los, os meus medos do fracasso, de não conseguir me sair bem diante deles. Novamente um autoexame ajuda muito nessas horas: o quanto de meus medos refere-se a questões objetivas (tenho as competências necessárias para um novo cargo ou emprego?) ou a questões subjetivas (não acredito em minhas próprias capacidades). É importante discernir com clareza “o que é” do que eu “acho que é”. Novamente conversar com outras pessoas (amigos, colegas, profissionais de psicologia) pode ajudar e muito.

Mais importante do que tudo é investir um tempo para olhar para si mesmo, se conhecer melhor, entender o que você gosta e não gosta a respeito do seu trabalho. Enxergue quais são seus potenciais e qual a melhor forma de você aproveitá-los profissionalmente. E, não se esqueça, busque sempre ajuda – há muita gente na mesma situação que você e profissionais capazes de lhe auxiliar. Boa sorte!

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